COMO (FINALMENTE) COMECEI A MEDITAR

  

Meditação (Foto: Getty Images)

Meditação (Foto: Getty Images)

Como (finalmente) comecei a meditar

Praticar o mundfulness não é complicado, mas também não é fácil

  • CLAY SKIPPER*

08 JAN 2021 - 12H01 ATUALIZADO EM 08 JAN 2021 - 12H25

Próximo do início da pandemia, quando estávamos todos preocupados a respeito de superfícies contagiosas, comecei a usar meus cotovelos para apertar o botão do elevador de meu prédio. É mais sanitário, mas também menos eficiente. Ao tentar clicar o 8 (meu andar), eu geralmente me atrapalhava e apertava o quinto. Nos doze segundos que o elevador demorava para subir os cinco andares, costumava me perder tão fundo em pensamentos e na tela do meu celular que saia com frequência no piso errado. Você pode dizer que não sou muito atento.

Admitir que pratico meditação há anos é particularmente embaraçoso - começou quando entrei em uma livraria e, por pura curiosidade, comprei o livro The Miracle of Mindfulness (O Milagre da Atenção Plena, Editora Vozes), de Thich Nhat Hanh (mindfulness é uma espécie de consciência presente e constante no que está acontecendo. Meditação é sua prática formal). Além de oferecer instruções básicas, o volume oferece uma maneira de se relacionar com pensamentos, emoções e sentimentos que é libertador para alguém como eu - neurótico o bastante para apertar botões de elevador com o cotovelo. De acordo com Hanh, o simples gesto de prestar atenção à minha respiração e assim “manter a consciência viva na realidade presente”, silencia ansiedades e me faz “encontrar alegria e paz no agora”. Um milagre de fato.

Comecei a meditar naquele mesmo dia. Três anos depois - e com algumas pausas aqui e ali - as mudanças foram profundas. Eu listaria todas elas, mas provavelmente repetiria algo que você já está cansado de saber. Mindfulness e meditação já foram ligados a um aumento na gentileza e um recuo no stress - e até como ajuda para aplacar a síndrome do intestino irritável. E ainda assim a maneira pela qual mindfulness é vendido na nossa cultura viciada em objetivos, produtividade e aprimoramento constante pode tornar difícil começar a praticae e se manter focado. Se a coisa é empacotada como um remédio de efeito rápido para aliviar seu sofrimento e stress, é possível que você acabe desapontado quando, após um punhado de exercícios de respiração, ainda estiver ansioso, não se sentir melhor - e nem sequer é capaz de descer do elevador no andar certo.

Esse empacotamento é a forma como muitas pessoas são introduzidas à meditação - ou, francamente, qualquer novo hábito no decorrer desse ano dificultoso. Mas eu descobri que há uma outra forma, menos baseada em grandes promessas, de abordar o assunto. Em seu livro, When Things Fall Apart (Quando Tudo se Desfaz, Gryphus Editora), a monja budista Pema Chodron resume bem: “Ao praticar meditação, não estamos tentando alcançar algum grande ideal - pelo contrário. Estamos apenas unidos à nossa experiência, seja lá qual for… a consciência é encontrada na nossa dor, sofrimento e sabedoria, disponível em cada momento de nossa estranha, insondável e cotidiana vida diária.”

Esse pensamento se provou um bálsamo toda vez que mergulhei em auto-depreciação, frustrado com meu próprio progresso. Ter espaço para melhorar não é um sinal que você precisa de mais prática. Ela é a prática em si. Começando daí - ao invés de partir de algo como vergonha, em que muitas resoluções se iniciam - pode ser mais construtivo para quem quer começar ou retomar a prática do mindfulness.

Aqui vão alguns insights para quem dusca se aprofundar em meditação, com alguma ajuda dos livros que li pelo caminho e o apoio de três dos maiores especialistas da prática nos EUA: Sharon Salzberg e Joseph Goldstein, que fundaram a Insight Meditation Society em 1975, e a psicoterapeuta Tara Brach.

O que é mindfulness afinal?

Mindfulness é um termo tão usado que hoje em dia quase não tem mais significado. Geralmente é confundido com presença, lembra Goldstein. Para explicar porque isso é equivocado, ele sugere pensar em um labrador cheio de energia. Dá para dizer que o cão está presente, mas você não o descreveria como mindful. Não há consciência de sua vida no momento, no agora. Mindfulness sugere um certo nível de metacognição. Ou “saber que estamos sabendo”, nas palavras do especialista.

Mas reconhecimento por si só também não é mindfulness. Pense em um barulho alto. Você certamente o reconhece - afinal o ouve - mas se essa consciência é cercada pelo desejo de fazê-lo parar, daí é preciso o reconhecimento dessa vontade também. Estamos cientes do que acontece ao nosso redor tanto quanto de nossa afeição (ou aversão) às condições do momento.

“Mindfulness significa estar no presente, observando o que está acontecendo, sem julgamentos, livre de aversões e desilusões”, diz Goldstein.

Para ilustrar a importância dessa visão clara, vou pegar emprestado uma metáfora comum no aprendizado do mindfulness: pense em estar embaixo de uma cachoeira. Embora seja uma experiência agradável no geral, especialmente em um dia quente, também é barulhenta e torna quase impossível sentir o que está acontecendo fora da torrente de água descendo pelos ombros. Ver seus pensamentos, sentimentos e emoções como eles são - assim como tudo que você conecta a eles - é como dar um pequeno passo fora dessa cachoeira. Eles não sairam do lugar, mas ainda assim é possível vê-los com mais clareza.

Com isso, também se torna possível ter mais agência sobre eles e agir de forma mais construtiva. Vamos dizer que alguém no trabalho anda te irritando. Se você já teve um ataque de nervos do qual se arrependeu depois, já sabe que ficar nervoso é uma das maneiras menos eficientes de agir com a raiva. Lidar com essa emoção de forma consciente - enxergar a raiva e sua aversão a ela - permite decidir o melhor caminho a tomar, ao invés de responder com impulso e ódio.

Goldstein compara a prática a ter um controle remoto para a televisão de nossas mentes. “Geralmente estamos navegando pelos canais que viraram nossa rotina. Mas através do mindfulness podemos prestar atenção. Podemos ver: ‘Isso contribui para minha felicidade, ou a felicidade do outro? Bem, não. Só vai criar mais sofrimento para mim e as pessoas ao redor’. Quando você é consciente o bastante para notar isso, então é um clique no controle remoto… muitas pessoas não estão cientes que têm esse dispositivo em mãos.”

Tara Brach diz que quando uma prática de meditação se conecta com seus clientes e estudantes, é porque há um “espaço que se abre” entre o que sentimos e pensamos e a maneira que reagimos. Nesse intervalo, existem mais escolhas. “Há um diálogo interno incessante, que se repete, mas você não precisa ouví-lo”, diz. “As pessoas que vejo se iniciaram na prática e se beneficiam dela geralmente aprendem essa lição: ‘Eu não sou meus pensamentos. Não tenho que acreditar neles’. E esse é o primeiro passo na direção de liberdade.”

Tara se refere não apenas a uma liberdade metafórica. Você efetivamente está interrompendo um circuito neural projetado para te manter vivo, que busca ameaças constantemente.

“Toda vez que você tem um pensamento ansioso, seu corpo recebe um alerta para ficar tenso - se você pode interceptar essas emoções e, ao invés de alimentá-las, respirar fundo e reconectar com o momento, é capaz de interromper o hábito da ansiedade”, diz Tara. “Você tem a opção de criar novos trajetos neurais, caminhos que são mais criativos, inteligentes e honestos.”

Ok, estou dentro. Mas como começar?

Como falamos acima, a prática do mindfulness é a meditação, e existem diversas formas de meditação formal. Algumas delas são o que se imagina quando o assunto vem em mente - sente-se, relaxado mas alerta, e se concentre na respiração. Mas nem sempre é preciso ser assim, tão formalizado. De acordo com Brach, “há uma vasta linguagem sobre meditação, mas trata-se basicamente de treinar sua atenção de forma benéfica a seu bem estar”. Para a especialista, às vezes significa ter seus pacientes tomando nota de seus pensamentos e emoções.

“Se você está ansioso e toda vez que se sentir assim pausar e simplesmente nomear a sensação - apenas diga ‘ansiedade, ansiedade’, repetindo mais algumas vezes e chegando a um tom de voz amigável o bastante - é possível começar a diminuir o nível de apreensão. Pesquisas apontam que quando você toma nota de uma emoção, quando dá nome a ela em sua cabeça, seu sistema límbico consegue se acalmar.”

Para Sharon Salzberg dá para pensar na meditação dividindo-a em duas categorias. Há o período de constante consciência quando você está sentado, mas também momentos mais informais de mindfulness que se encaixam na sua rotina. Ele usa um exemplo cunhado por Hahn: ao invés de atender o telefone no primeiro toque, deixe tocar três vezes e use o som para se lembrar de respirar. Um dos professores de Salzberg chama isso de “pequenos momentos, diversas vezes”.

“[Essas são] curtas pausas em sua vida nas quais é possível relaxar, ter algum espaço livre ou se voltar para si mesmo”, diz Hahn. “Nada de longa duração, que vá atrapalhar sua lista de afazeres. Mesmo tomar uma xícara de chá ou café sem se ocupar com outra tarefa. Essas são partes significativas da prática que muita gente deixa de lado.”

Quanto ao tipo mais formal de meditação, existem diversas maneiras de praticar. Algumas envolvem sentar ou se deitar, outras ocorrem durante o caminhar. Pessoalmente, eu me sento com as pernas cruzadas no chão, em uma postura confortável mas que me deixa alerta (já que geralmente é a primeira coisa que faço pela manhã). Daí escolho algo para me focar. Para mim, é a respiração. Mas poderia ser um mantra, um conjunto de frases, um som. Eu fecho os olhos, mas é possível deixá-los abertos - a ideia é entender o que funciona melhor para você. Começo a inalar e exalar completamente pelo nariz, prestando atenção na respiração conforme ela entra e sai do meu corpo. Me foco no movimento do peito, mas é possível observar o nariz ou o estômago durante o processo. Sharon Salzberg chama isso de “descansar a atenção em um objeto”. Esta é a prática.

Não pense demais - essa é a parte difícil

Goldstein diz em seu livro, Mindfulness: A Practical Guide to Awakening, que a técnica “é muito simples, embora talvez não seja tão fácil”. Se você for como eu, vai perceber que, ao se sentar no chão, vai ser difícil não se distrair: sua mente vai começar a se perder na lista de tarefas do dia, ou suas costas vão começar a doer, ou você vai pensar sobre aquela vez que disse algo idiota em uma reunião geral da empresa via Zoom.

A instrução, então, é perceber que sua mente está se perdendo e gentilmente retornar à respiração. Se for de ajuda, pode imaginar seus pensamentos como nuvens no céu, carros em uma autoestrada ou ondas em um oceano. Você os vê passar, mas não é carregado por eles. Momentos depois, você vai se ver novamente perdido em pensamentos. O que parecia muito simples - sentar, esvaziar sua cabeça - é de fato extraordinariamente difícil. É aí que surge a frustração.

“Chega o momento quando percebemos ‘oh, faz bastante tempo que eu não sinto a respiração’”, aponta Salzberg, que vem meditando há 50 anos. “A parte muito atraente de nosso condicionamento é, nesse momento, mergulhar em um episódio de auto-julgamento: ‘Não acredito que estou pensando. Ninguém pensa enquanto medita, só eu. Talvez exista até quem faça igual, mas eles pensam em coisas belas. São pensamentos maravilhosos.’ É possível se perder por completo.”

“Se alguém estivesse sussurrando no meu ouvido toda essa besteira que meu cérebro inventa, eu não aguentaria um minuto”, brinca Tara Brach. Goldstein também aponta que esse é um obstáculo comum para quem medita.

“Não importa se a prática não está funcionando ou se você se sente incapaz de fazê-la, essas são manifestações de uma mente que ainda não foi treinada”, diz o especialista. “Isso não é um problema, mas parte do processo de aprender algo novo”.

Ok, você está certo, não parece tão fácil. Mas por que fazer tudo isso mesmo?

Pense quantas vezes no decorrer do dia as coisas não acontecem de acordo com seus planos. Você se senta para trabalhar e de repente seu filho começa a chorar, ou seu chefe te envia uma demanda urgente. Talvez você se prepare para uma corrida, mas suas panturrilhas decidem não colaborar. Vai preparar uns ovos e acidentalmente derruba a embalagem toda no chão. É o tipo de coisa que acontece em maior escala também: pare para pensar no que você imaginava que 2020 seria.

A meditação pode ser um campo de testes para esse exato tipo de aflição. Você tenta repousar sua atenção sobre a experiência imediata e, de repente, está pensando sobre o jantar. Tentativa e erro. A vida é assim também - você tenta de novo e de novo, até dar sua hora. A fluidez e graça com a qual você consegue lidar com essa turbulência podem muito bem ser a chave para sua qualidade de vida.

Não à toa, a ideia de que você está meditando ‘errado’ se está ‘pensando demais’ é tão danosa. “Já vi tantas pessoas sentindo que falharam [com a meditação] pois ainda estão ocupados com reflexões, ou tem muitos pensamentos e sensações dolorosas” diz Salzberg. “Não acreditamos que seja possível falhar porque o objetivo não é se livrar dessas coisas, mas desenvolver uma relação diferente com elas”.

É por isso que Salzberg se refere a esse estilo de meditação - na qual você define um objeto de atenção e trabalha concentração - como um treinamento de resiliência. É como cultivar um hábito de se reequilibrar. Esse tipo de fortitude não precisa nascer de uma visão crítica e dura sobre si mesmo, mas da prática de uma “uma abertura gentil”, segundo Salzberg. Você percebe que vagou por alguma distância e agora está de volta para começar novamente (em seu livro, Chodron emprega uma metáfora muito útil: é como tocar de leve uma bolha de sabão usando uma pena).

Goldstein sugere que, quando algo especialmente difícil surge - talvez uma ansiedade ou dor - e você se encontra lutando contra ele, pode ser valioso pensar no que diria a uma criança atravessando a mesma experiência. “Certamente não agiríamos com julgamento. Não estaríamos falando: ‘Oh, isso é terrível, você não deveria se sentir assim. Pare de reclamar.’”

Com que frequência devo meditar?

Ainda que você precise se comprometer a uma rotina realista e duradoura, é importante lembrar que está tentando criar um hábito. O que significa: nada de ‘dias de folga’.

“Há muita pesquisa sugerindo que um pouco de prática diária acalma o sistema límbico e ative partes do cérebro que te ajudam a ser mais presente e mente aberta, a ter uma perspectiva mais ampla”, diz Brach. “Para integrar isso, ter essa habilidade disponível e transformar estado de espírito em traço de personalidade, é preciso tempo”.

Quando era mais jovem, Brach viveu em um ashram por dez anos. Lá ela praticava meditação diariamente, por horas a fio. Mas quando ela deixou o eremitério - cerca de 30 anos atrás, e acompanhada do filho de quatro meses - ela se comprometeu a seguir em prática diária. 

“Eu [medito] todo dia, não importa o que acontecer”, diz. “Mas há um porém: a duração não importa. Se concentre em fazer todo dia, seja o que for. Você pode meditar em pé, ou sentado. Você pode caminhar. Você só precisa desse intervalo de tempo dedicado à presença.”

Brach diz que algumas vezes, quando planejava para e se sentar por um minuto ou dois, ela acabava estendendo a sessão. Em outros dias, só conseguia parar para meditar mais para a noite: sentar, respirar um pouco e ir para cama. “Mas isso já conta!”, brinca.

Quando começo a ver os resultados?

Ainda que se sentar e concentrar na respiração, por cinco minutos que seja, traga uma sensação de repouso e tranquilidade, é útil lembrar que a prática do mindfulness é exatamente isso: prática. É um trabalho constante. Alguns dias vão ser ótimos, outros frustrantes e nenhum vai parecer que você alcançou o nirvana ou algo do tipo.

As mudanças mais profundas pelas quais passei não aconteceram no ato de se sentar de pernas cruzadas. A melhor maneira de descrevê-las é pegar emprestado a descrição de Brach: é uma abertura. Estaria à beira de mandar um e-mail raivoso, ou cair em uma espiral de ansiedade que devoraria minha tarde, mas daí encontro um espaço que interrompe o hábito corriqueiro. E não é sempre ficar absorto em você mesmo. Às vezes, é perceber algo tão inconsequente quando uma brisa vinda da janela, ou encontrar uma reserva de empatia e compreensão sobre o outro. Quando me distancio de meus próprios dramas e fico atento ao mundo fora de minha cabeça, é quase impossível não se sentir conectado às pessoas ao seu redor. 

É importante ser realista: esses momentos ainda são raros, e duram a surgir. Mas também percebi que eles tendem a se acumular como se fossem juros compostos, ou uma bola de neve descendo a montanha. Conforme a prática progride, eles vão ganhando mais peso e inércia. Tomar nota desse progresso, avaliar se a meditação está funcionando para você, tudo é importante. Mas é essencial lembrar que a corrida em direção ao aprimoramento pessoal pode te desviar do intuito central da prática do mindfulness: deixar fluir.

Brach compara a questão a um barco a motor. Nosso instinto natural é acelerar o mecanismo, indo mais e mais rápido. Mas se pudermos nos lembrar do objetivo da prática - “para que possamos estar plenos em nossa experiência de vida” - é mais fácil se desvencilhar dessa ansiedade. “Se você quiser realmente praticar a presença, é preciso desligar o motor, deixar ele parar e perceber: aqui é meu destino.”

*Leia a matéria original na GQ US

Fonte:https://gq.globo.com/Corpo/noticia/2021/01/como-finalmente-comecei-meditar.html



Comentários