MEDITAR E COZINHAR,UMA BOA DUPLA - O PRINCÍPIO DA CULINÁRIA SHÔJIN,ADOTADA NOS MOSTEIROS ZEN BUDISTAS
Meditar e cozinhar, uma boa dupla
Os preceitos da culinária Shôjin, adotada nos mosteiros zen budistas, podem transformar a maneira como você prepara a sua refeição.
Cortar os legumes e apenas cortá-los. Lavar as louças e apenas limpá-las. Tudo em silêncio e sem a algazarra estrondosa do bater panelas, derrubar ou quebrar copos, esquecer o fogo alto aceso. Mais do que fritar, assar,cozinhar, grelhar, estar na cozinha, preparar a refeição, limpar a bagunça, pode ser um tremendo treinamento para acalmar a mente e trazer a almejada paz de espírito.
A ideia, em um primeiro momento, soa bem estranha. Meditação tem a ver com um lugar calmo, uma almofada, um incenso e você sentado na tradicional posição de lótus. Pois bem, cozinhar e, na sequencia, saborear o alimento pode provocar efeitos semelhantes aos experimentados na tradicional meditação. Mesmo com aroma da sopa fervilhando no fogão e as mãos cheirando a alho ou cebola recém-fatiada. Pelo menos esse é o pensamento da chamada culinária Shôjin, praticada nos mosteiros que seguem a tradição do zen budismo. Nesses mosteiros, o tenzô (o cozinheiro) é sempre um monge com alta elevação espiritual. É ele quem decide o que será preparado e quem coordena o trabalho na cozinha.
Os princípios da culinária Shôjin, aliás, muito têm a ver com um jeito mais sustentável de se nutrir. Por exemplo, o alimento deve ser aproveitado integralmente - nenhum talo, semente ou casca é desperdiçada. E só se usa legumes, verduras e frutas `da época¿ e cultivados na região - obviamente tudo é orgânico. Muitos mosteiros têm, inclusive, seu pomar e horta. A alimentação é vegetariana e os monges cozinheiros fazem tudo em absoluto silêncio. Na maneira mais tradicional, também não se usa nem cebola, nem alho. E as cores e os sabores dos alimentos também devem ser levados em conta para que exista um perfeito equilíbrio. Por isso, não podem faltar, em uma refeição, amarelo, branco, verde, vermelho, preto ou roxo e marrom; e os sabores ácido, picante, amargo, salgado e doce.
São poucos os mosteiros no mundo - boa parte deles estão no Japão que seguem o Shôjin. No Brasil, o Mosteiro Zen Morro da Vargem, que fica em Ibiraçu, no Espírito Santo, segue os ensinamentos do mestre Dogen (1200 a 1253), que introduziu a escola Soto, do Budismo Zen. Em Morro da Vargem, o preparar a refeição e saboreá-la faz parte da prática para entender o caminho da iluminação. E quando o assunto é cozinhar, o mosteiro segue livros como o Tenzo Kyokun (instrução para o chefe de cozinha do mosteiro), o Fushuku Hanpo (como comer o desjejum e o almoço) e o Jikuinmon (orientações sobre a cozinha, armazenamento e processamento dos alimentos). "No Mosteiro, preparam-se as refeições diárias com vegetais e legumes em sua maioria colhidos na própria horta. Seguindo o preceito de respeitar todas as criaturas vivas, Dogen Zenji nos diz que o melhor alimento é resultado de três elementos: do próprio alimento, de quem o come e de quem o prepara", escreve o Reverendo Hokan Saito, abade do Templo Mirokuji, em Ieakuni, no Japão. "O alimento na vida do Zen nos dá não somente a nutrição, mas contentamento e gratidão", completa Hokan Saito. A pedido das pessoas que frequentam o mosteiro de Morro da Vargem e que já provaram as deliciosas refeições preparadas por lá, foi publicado, ano passado, o Livro de Receitas Mosteiro Zen Morro da Vargem, no qual o mestre cozinheiro do lugar ensina a fazer delícias como o estrogonofe de glúten com couve-flor, a panqueca de ricota com taioba e a sopa de cenoura com gengibre, que ilustra essa matéria.
O preparo
Monja Gyoku En, do Budismo Zen, já provou a saborosa comida preparada no Mosteiro Morro da Vargem. "Os monges comiam o que havia por lá. Às vezes, serviam jaca assada, jaca cozida, jaca à milanesa. Caroço de jaca assado, cozido, torrado e feito farinha. Tinha milho que virava uma massa de pizza deliciosa, com molho de tomate da horta e queijo produzido ali mesmo com leite da vaca que era criada pelos monges", conta Gyoku. E continua: "o que mais me encantou definitivamente naquela cozinha foi a simplicidade, a limpeza, a organização, a disposição dos objetos da cozinha e o comportamento dos monges, que, ao cozinhar, mantinham-se atentos e em silêncio". Monja Gyoku En teve contato mais direto e intenso com a culinária Shôjin depois que recebeu a ordenação monástica e passou algum tempo no Mosteiro Shogoji, no Japão, onde pode observar como os monges mais experientes preparam o alimento. Esse aprendizado se transformou em oficinas sazonais. E, há pouco mais de um ano, em um livro O Zen na Cozinha (editora Sustentar).
Gyoku nasceu em Belo Horizonte e sempre adorou ver a avó e a mãe cozinhar. Foi criada com a casa sendo perfumada pelo aroma dos pratos preparados no fogão a lenha. Quando jovem, foi para São Paulo e começou a fazer sozinha a própria refeição. Da relação emocional com a cozinha da infância, brotou o interesse pela culinária Shôjin, que conheceu depois de sua ordenação. "Nos grandes mosteiros, é o tenzô quem define o cardápio, escolhe os alimentos. E o cozinhar é silencioso. Mas é um silêncio natural, porque enquanto se cozinha, os outros monges meditam", conta ela. "É o silêncio que ajuda a transformar o cozinhar em meditação. E é pelo silêncio que você entende mais as pessoas do que quando está falando. Sua percepção fica mais aguçada", pondera. Segundo a monja, que hoje mora em Brasília, com uma certa dose de atenção - o tal estar presente no aqui agora - conseguimos perceber, na cozinha, como está nosso lado emocional. Se estamos agitados ou com muitas preocupações, é quase inevitável derrubar o copo, bater as panelas, deixar a comida queimar, exagerar no sal na hora de temperar. "Isso é envolvimento, o estar inteiramente presente, não dividido e totalmente devotado ao ofício decozinhar", acredita a delicada e simpática Monja Gyoku En, que adora assistir a programas de culinária na TV a cabo, como os de Jamie Oliver, Chuck Hughes, que tem um restaurante em Toronto, no Canadá, e Rachel Koo, uma inglesinha que mora em Paris, estudou na prestigiada escola Le Cordon Bleu etransformou sua quitinete em um restaurante: La Petite Cuisine à Paris.
O saborear
O respeito pela comida é muito importante no Shôjin. Isso, aliás, é um princípio do zen budismo: a não discriminação. "Cozinhar no estilo Shôjin requer uma atitude sincera e respeitosa em relação aos alimentos, não julgá-los pela aparência e ter os mesmos cuidados e consideração para com todos os alimentos. Preparar a comida cuidadosamente, seja grande ou pequena a quantidade, raro, caro comum ou acessível, sem discriminação", diz a Monja Gyoku En.
A ideia, em um primeiro momento, soa bem estranha. Meditação tem a ver com um lugar calmo, uma almofada, um incenso e você sentado na tradicional posição de lótus. Pois bem, cozinhar e, na sequencia, saborear o alimento pode provocar efeitos semelhantes aos experimentados na tradicional meditação. Mesmo com aroma da sopa fervilhando no fogão e as mãos cheirando a alho ou cebola recém-fatiada. Pelo menos esse é o pensamento da chamada culinária Shôjin, praticada nos mosteiros que seguem a tradição do zen budismo. Nesses mosteiros, o tenzô (o cozinheiro) é sempre um monge com alta elevação espiritual. É ele quem decide o que será preparado e quem coordena o trabalho na cozinha.
Os princípios da culinária Shôjin, aliás, muito têm a ver com um jeito mais sustentável de se nutrir. Por exemplo, o alimento deve ser aproveitado integralmente - nenhum talo, semente ou casca é desperdiçada. E só se usa legumes, verduras e frutas `da época¿ e cultivados na região - obviamente tudo é orgânico. Muitos mosteiros têm, inclusive, seu pomar e horta. A alimentação é vegetariana e os monges cozinheiros fazem tudo em absoluto silêncio. Na maneira mais tradicional, também não se usa nem cebola, nem alho. E as cores e os sabores dos alimentos também devem ser levados em conta para que exista um perfeito equilíbrio. Por isso, não podem faltar, em uma refeição, amarelo, branco, verde, vermelho, preto ou roxo e marrom; e os sabores ácido, picante, amargo, salgado e doce.
São poucos os mosteiros no mundo - boa parte deles estão no Japão que seguem o Shôjin. No Brasil, o Mosteiro Zen Morro da Vargem, que fica em Ibiraçu, no Espírito Santo, segue os ensinamentos do mestre Dogen (1200 a 1253), que introduziu a escola Soto, do Budismo Zen. Em Morro da Vargem, o preparar a refeição e saboreá-la faz parte da prática para entender o caminho da iluminação. E quando o assunto é cozinhar, o mosteiro segue livros como o Tenzo Kyokun (instrução para o chefe de cozinha do mosteiro), o Fushuku Hanpo (como comer o desjejum e o almoço) e o Jikuinmon (orientações sobre a cozinha, armazenamento e processamento dos alimentos). "No Mosteiro, preparam-se as refeições diárias com vegetais e legumes em sua maioria colhidos na própria horta. Seguindo o preceito de respeitar todas as criaturas vivas, Dogen Zenji nos diz que o melhor alimento é resultado de três elementos: do próprio alimento, de quem o come e de quem o prepara", escreve o Reverendo Hokan Saito, abade do Templo Mirokuji, em Ieakuni, no Japão. "O alimento na vida do Zen nos dá não somente a nutrição, mas contentamento e gratidão", completa Hokan Saito. A pedido das pessoas que frequentam o mosteiro de Morro da Vargem e que já provaram as deliciosas refeições preparadas por lá, foi publicado, ano passado, o Livro de Receitas Mosteiro Zen Morro da Vargem, no qual o mestre cozinheiro do lugar ensina a fazer delícias como o estrogonofe de glúten com couve-flor, a panqueca de ricota com taioba e a sopa de cenoura com gengibre, que ilustra essa matéria.
O preparo
Monja Gyoku En, do Budismo Zen, já provou a saborosa comida preparada no Mosteiro Morro da Vargem. "Os monges comiam o que havia por lá. Às vezes, serviam jaca assada, jaca cozida, jaca à milanesa. Caroço de jaca assado, cozido, torrado e feito farinha. Tinha milho que virava uma massa de pizza deliciosa, com molho de tomate da horta e queijo produzido ali mesmo com leite da vaca que era criada pelos monges", conta Gyoku. E continua: "o que mais me encantou definitivamente naquela cozinha foi a simplicidade, a limpeza, a organização, a disposição dos objetos da cozinha e o comportamento dos monges, que, ao cozinhar, mantinham-se atentos e em silêncio". Monja Gyoku En teve contato mais direto e intenso com a culinária Shôjin depois que recebeu a ordenação monástica e passou algum tempo no Mosteiro Shogoji, no Japão, onde pode observar como os monges mais experientes preparam o alimento. Esse aprendizado se transformou em oficinas sazonais. E, há pouco mais de um ano, em um livro O Zen na Cozinha (editora Sustentar).
Gyoku nasceu em Belo Horizonte e sempre adorou ver a avó e a mãe cozinhar. Foi criada com a casa sendo perfumada pelo aroma dos pratos preparados no fogão a lenha. Quando jovem, foi para São Paulo e começou a fazer sozinha a própria refeição. Da relação emocional com a cozinha da infância, brotou o interesse pela culinária Shôjin, que conheceu depois de sua ordenação. "Nos grandes mosteiros, é o tenzô quem define o cardápio, escolhe os alimentos. E o cozinhar é silencioso. Mas é um silêncio natural, porque enquanto se cozinha, os outros monges meditam", conta ela. "É o silêncio que ajuda a transformar o cozinhar em meditação. E é pelo silêncio que você entende mais as pessoas do que quando está falando. Sua percepção fica mais aguçada", pondera. Segundo a monja, que hoje mora em Brasília, com uma certa dose de atenção - o tal estar presente no aqui agora - conseguimos perceber, na cozinha, como está nosso lado emocional. Se estamos agitados ou com muitas preocupações, é quase inevitável derrubar o copo, bater as panelas, deixar a comida queimar, exagerar no sal na hora de temperar. "Isso é envolvimento, o estar inteiramente presente, não dividido e totalmente devotado ao ofício decozinhar", acredita a delicada e simpática Monja Gyoku En, que adora assistir a programas de culinária na TV a cabo, como os de Jamie Oliver, Chuck Hughes, que tem um restaurante em Toronto, no Canadá, e Rachel Koo, uma inglesinha que mora em Paris, estudou na prestigiada escola Le Cordon Bleu etransformou sua quitinete em um restaurante: La Petite Cuisine à Paris.
O saborear
O respeito pela comida é muito importante no Shôjin. Isso, aliás, é um princípio do zen budismo: a não discriminação. "Cozinhar no estilo Shôjin requer uma atitude sincera e respeitosa em relação aos alimentos, não julgá-los pela aparência e ter os mesmos cuidados e consideração para com todos os alimentos. Preparar a comida cuidadosamente, seja grande ou pequena a quantidade, raro, caro comum ou acessível, sem discriminação", diz a Monja Gyoku En.
Além do respeito no comer, é importante manter o ambiente agradável. Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista por aqui, costuma dizer que a refeição não precisa ser silenciosa. No dia a dia, em família, a conversa épermitida, mas nada de assuntos que possam causar aflição, angústia ou discórdia. "É um momento para compartilhar o que temos e para compartilhar a vida", diz.
Para Gyoku En, uma das coisas que está adoecendo no mundo de hoje é a nossa atitude no comer. Isso porque as pessoas não percebem o que estão colocando na boca, fazem isso de frente para a tevê, se alimentam de maneira ansiosa e não se permitem experimentar novos e diferentes sabores. Segundo ela, o espírito da culinária Shôjin está em cozinhar para fazer os outros felizes e compartilhar essa refeição com quem a gente ama.
Cozinhar, afinal, pode ser algo bem mais profundo do que podemos imaginar. Como diria Monja Coen, precisamos fazer a cada instante da nossa vida, um instante de prática. E por que não na cozinha, certo?
Por Ana Holanda/ Fotos: Alex Silva
Fonte:http://vidasimples.abril.com.br/temas/meditar-cozinhar-boa-dupla-773795.shtml
Meditação na cozinha? Conheça a culinária Shôjin, adotada nos mosteiros budistas
Parece contraditório já que cozinha lembra barulho de panelas, copos, talheres – e meditação remete a um lugar calmo, à meia-luz. Porém, muito mais do que fritar, assar, cozinhar ou grelhar, o simples ato de estar na cozinha preparando uma refeição pode funcionar como treinamento para alcançar a paz de espírito.
Cozinhar e saborear o alimento pode provocar efeitos semelhantes aos experimentados na tradicional meditação. Esta é a filosofia da culinária Shôjin, praticada nos mosteiros que seguem a tradição do zen budismo.
O tenzô (cozinheiro) é um monge com elevação espiritual que decide, prepara e coordena o trabalho. Os princípios
da culinária Shôjin muito têm a ver com um jeito mais sustentável de se nutrir. O alimento deve ser aproveitado
integralmente (nenhum talo, semente ou casca é desperdiçada). Só se usa produtos orgânicos e da estação. alimentação é vegetariana, e os monges cozinheiros fazem tudo em silêncio.
da culinária Shôjin muito têm a ver com um jeito mais sustentável de se nutrir. O alimento deve ser aproveitado
integralmente (nenhum talo, semente ou casca é desperdiçada). Só se usa produtos orgânicos e da estação. alimentação é vegetariana, e os monges cozinheiros fazem tudo em silêncio.
É o silêncio que ajuda a transformar o cozinhar em meditação. Segundo os monges, conseguimos perceber, na cozinha, como está nosso lado emocional. Na culinária Shôjin, não se usa cebola e alho, e as cores e os sabores dos alimentos também devem ser levados em conta para um perfeito equilíbrio. Não podem faltar, em uma refeição, amarelo, branco, verde, vermelho, preto ou roxo e marrom; e os sabores ácido, picante, amargo, salgado e doce.
:: Preceitos da Shôjin
– O respeito pela comida é muito importante. Cozinhar no estilo Shôjin requer atitude sincera e respeitosa em relação aos alimentos, não julgá-los pela aparência, não discriminá-los e ter os mesmos cuidados e consideração para com todos.
– É importante manter o ambiente agradável. A refeição em família, por exemplo, não precisa ser silenciosa. A conversa é permitida, mas nada de assuntos que possam causar aflição, angústia ou discórdia. É um momento para
compartilhar a vida.
compartilhar a vida.
– Uma das doenças do mundo moderno é a atitude ao comer. As pessoas não percebem o que estão colocando na boca, alimentam-se de maneira ansiosa. O espírito da culinária Shôjin está em cozinhar para fazer os outros felizes e
compartilhar essa refeição.
compartilhar essa refeição.
Fonte:http://revistadonna.clicrbs.com.br/nacozinha/meditacao-na-cozinha-conheca-a-culinaria-shojin-adotada-nos-mosteiros-budistas/
Gastronomia zen
A monja Gyoku En lança livro sobre a culinária "shôjin ryôri", praticada nos mosteiros zen-budistas, que prega concentração total, silêncio e organização e evita desperdício no preparo de alimentos
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem já entrou numa cozinha no momento em que é preparada uma refeição para muita gente sabe que tem grande chance de encontrar uma cena próxima ao caos. Mas não se o que estiver sendo feito for algo da culinária "shôjin ryôri". Não importa se o banquete é para duas ou 50 pessoas: barulhos tradicionais como o de panelas batendo, gente correndo ou cozinheiros gritando dão lugar a silêncio e concentração.
É como se o ato de cozinhar ganhasse ares monásticos. E é disso que se trata: a "shôjin" é a culinária dos mosteiros zen-budistas e tema do livro "O Zen na Cozinha" (ed. Sustentar, 128 págs., R$ 30), recém-lançado pela monja Gyoku En -nome de batismo Magda-, 58.
Segundo ela, o silêncio e a concentração em cada tarefa podem transformar o ato de cozinhar numa forma de meditação. "Costumamos cozinhar batendo papo, com a TV ligada, mas, na culinária "shôjin", deve-se exercitar a plena atenção e deixar os pensamentos passarem. Podemos meditar no nosso dia-a-dia."
Apesar de vários de seus princípios estarem em voga -como a valorização de alimentos orgânicos, da época e da região e o reaproveitamento de talos e cascas-, a culinária "shôjin" é milenar: seus fundamentos foram escritos em 1237 por Mestre Dôgen, autor de "Shobogenzo" (do japonês, tesouro do olho da verdadeira lei), tratado sobre a prática nos mosteiros zen-budistas.
O trecho relativo à culinária "shôjin", chamado "Tenzô Kyokun" (instruções ao cozinheiro zen), traz ensinamentos sobre temas como a renovação dos menus de acordo com as estações, o cuidado diário com os objetos e a importância da limpeza e da organização.
Esses dois últimos princípios, aliás, são muito ressaltados. "As cozinhas dos mosteiros são simples, mas muito organizadas, limpas e eficientes. Cada coisa tem seu lugar. Quando o "tenzô" [monge cozinheiro] entra, nunca se perde e tem tranqüilidade para atuar", conta Gyoku En.
Cenário não tão diferente da cozinha da sua avó, em Minas Gerais, que traz suas mais remotas memórias culinárias. "Era simples, mas limpinha e organizada. Havia ali tanta tranqüilidade...", lembra.
Na juventude, o gosto por cozinhar não aflorou logo. "Gostava mesmo era de ler, namorar e passear." Universitária, passou a cozinhar para as colegas de apartamento e descobriu culinárias como a macrobiótica, a japonesa e a indígena.
Com a decisão de tornar a alimentação mais natural, Magda decidiu aprender a meditar, e foi assim que chegou ao zen-budismo. Praticante assídua, só decidiu se tornar monja tempos depois. Mesmo antes da ordenação, já cozinhava em mosteiros, nos retiros. "Eles sempre me davam algo para moer: milho, arroz. Era cansativo e eu era muito elétrica. Mas precisava treinar a atenção."
Em um mosteiro no Japão, Gyoku En ficou encantada com o requinte na apresentação das refeições. Os vários pratos são servidos em recipientes individuais. "Eles se preocupam com o ponto certo, cortam bonitinho, põem uma vagem em cima da outra, colocam um molhinho. E a cerâmica usada é maravilhosa. "Shôjin" é assim, bonita de ver", exemplifica.
Além da atenção para que a comida fique al dente, os cuidados incluem usar fogo brando e temperos sutis. "Cada alimento deve conservar seu próprio gosto. Essa história de mascarar sabores é desta civilização."
Prega-se, ainda, a moderação ao comer: segundo o livro, ao sair da mesa, o ideal é estar com 20% do estômago vazio.
Apesar de a "shôjin" não utilizar carne nem derivados animais, Gyoku En diz que alguns mosteiros abrem exceção para quem teve contato a vida toda com esses produtos e sente falta. "Gosto do vegetarianismo, mas não quero fazer uma apologia dele. Cada um sabe o que é melhor para si."
Além de frutas e verduras, o cozinheiro zen utiliza ingredientes como soja, brotos e algas marinhas. Não há pão, e o açúcar e o óleo vegetal entram em pequena quantidade.
Segundo Gyoku En, inspiração e criatividade conseguem transformar uma gama limitada de ingredientes em pratos requintados: opções como o arroz de gengibre, o sushi de cará e a salada de nabo com caqui maduro, receitas que estão no seu livro; ou o chocolate rústico que ela fez com açúcar mascavo e bagas de cacau doadas para um mosteiro; ou a pizza com massa de milho, molho de tomate da horta e queijo do leite da vaca criada por monges. "É uma culinária que nutre o corpo, a alma, o espírito", diz.
A monja é hoje diretora espiritual do Dojo Cazazen - Comunidade Zen Budista de Brasília. Foi depois de dar cursos de "shôjin" que decidiu escrever o livro. Segundo ela, seus princípios podem ser seguidos mesmo por quem não é zen-budista. "Basta querer. De repente, a a pessoa tem uma cozinha muito bagunçada e quer deixá-la mais organizada. Ou, se alguém quiser tentar a atenção plena, pode começar hoje mesmo."
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem já entrou numa cozinha no momento em que é preparada uma refeição para muita gente sabe que tem grande chance de encontrar uma cena próxima ao caos. Mas não se o que estiver sendo feito for algo da culinária "shôjin ryôri". Não importa se o banquete é para duas ou 50 pessoas: barulhos tradicionais como o de panelas batendo, gente correndo ou cozinheiros gritando dão lugar a silêncio e concentração.
É como se o ato de cozinhar ganhasse ares monásticos. E é disso que se trata: a "shôjin" é a culinária dos mosteiros zen-budistas e tema do livro "O Zen na Cozinha" (ed. Sustentar, 128 págs., R$ 30), recém-lançado pela monja Gyoku En -nome de batismo Magda-, 58.
Segundo ela, o silêncio e a concentração em cada tarefa podem transformar o ato de cozinhar numa forma de meditação. "Costumamos cozinhar batendo papo, com a TV ligada, mas, na culinária "shôjin", deve-se exercitar a plena atenção e deixar os pensamentos passarem. Podemos meditar no nosso dia-a-dia."
Apesar de vários de seus princípios estarem em voga -como a valorização de alimentos orgânicos, da época e da região e o reaproveitamento de talos e cascas-, a culinária "shôjin" é milenar: seus fundamentos foram escritos em 1237 por Mestre Dôgen, autor de "Shobogenzo" (do japonês, tesouro do olho da verdadeira lei), tratado sobre a prática nos mosteiros zen-budistas.
O trecho relativo à culinária "shôjin", chamado "Tenzô Kyokun" (instruções ao cozinheiro zen), traz ensinamentos sobre temas como a renovação dos menus de acordo com as estações, o cuidado diário com os objetos e a importância da limpeza e da organização.
Esses dois últimos princípios, aliás, são muito ressaltados. "As cozinhas dos mosteiros são simples, mas muito organizadas, limpas e eficientes. Cada coisa tem seu lugar. Quando o "tenzô" [monge cozinheiro] entra, nunca se perde e tem tranqüilidade para atuar", conta Gyoku En.
Cenário não tão diferente da cozinha da sua avó, em Minas Gerais, que traz suas mais remotas memórias culinárias. "Era simples, mas limpinha e organizada. Havia ali tanta tranqüilidade...", lembra.
Na juventude, o gosto por cozinhar não aflorou logo. "Gostava mesmo era de ler, namorar e passear." Universitária, passou a cozinhar para as colegas de apartamento e descobriu culinárias como a macrobiótica, a japonesa e a indígena.
Com a decisão de tornar a alimentação mais natural, Magda decidiu aprender a meditar, e foi assim que chegou ao zen-budismo. Praticante assídua, só decidiu se tornar monja tempos depois. Mesmo antes da ordenação, já cozinhava em mosteiros, nos retiros. "Eles sempre me davam algo para moer: milho, arroz. Era cansativo e eu era muito elétrica. Mas precisava treinar a atenção."
Em um mosteiro no Japão, Gyoku En ficou encantada com o requinte na apresentação das refeições. Os vários pratos são servidos em recipientes individuais. "Eles se preocupam com o ponto certo, cortam bonitinho, põem uma vagem em cima da outra, colocam um molhinho. E a cerâmica usada é maravilhosa. "Shôjin" é assim, bonita de ver", exemplifica.
Além da atenção para que a comida fique al dente, os cuidados incluem usar fogo brando e temperos sutis. "Cada alimento deve conservar seu próprio gosto. Essa história de mascarar sabores é desta civilização."
Prega-se, ainda, a moderação ao comer: segundo o livro, ao sair da mesa, o ideal é estar com 20% do estômago vazio.
Apesar de a "shôjin" não utilizar carne nem derivados animais, Gyoku En diz que alguns mosteiros abrem exceção para quem teve contato a vida toda com esses produtos e sente falta. "Gosto do vegetarianismo, mas não quero fazer uma apologia dele. Cada um sabe o que é melhor para si."
Além de frutas e verduras, o cozinheiro zen utiliza ingredientes como soja, brotos e algas marinhas. Não há pão, e o açúcar e o óleo vegetal entram em pequena quantidade.
Segundo Gyoku En, inspiração e criatividade conseguem transformar uma gama limitada de ingredientes em pratos requintados: opções como o arroz de gengibre, o sushi de cará e a salada de nabo com caqui maduro, receitas que estão no seu livro; ou o chocolate rústico que ela fez com açúcar mascavo e bagas de cacau doadas para um mosteiro; ou a pizza com massa de milho, molho de tomate da horta e queijo do leite da vaca criada por monges. "É uma culinária que nutre o corpo, a alma, o espírito", diz.
A monja é hoje diretora espiritual do Dojo Cazazen - Comunidade Zen Budista de Brasília. Foi depois de dar cursos de "shôjin" que decidiu escrever o livro. Segundo ela, seus princípios podem ser seguidos mesmo por quem não é zen-budista. "Basta querer. De repente, a a pessoa tem uma cozinha muito bagunçada e quer deixá-la mais organizada. Ou, se alguém quiser tentar a atenção plena, pode começar hoje mesmo."
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2808200805.htm
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